A fiscalização de criptoativos no Brasil começou em 3 de maio de 2019, quando a Instrução Normativa RFB nº 1.888 passou a obrigar exchanges nacionais e investidores a reportarem operações superiores a R$30 mil mensais. O texto inaugurou a primeira base de dados pública sobre movimentações de cripto no Fisco.
E, em menos de quatro anos, sustentou a identificação de mais de 25 mil contribuintes que não haviam declarado Bitcoins no IRPF 2023, segundo a Receita. Com o crescimento do mercado, estima-se que o volume mensal declarado tenha superado R$12 bilhões em 2024, as lacunas ficaram visíveis.
O reporte automático de remessas para corretoras estrangeiras ficavam fora do alcance da norma, protocolos DeFi não se encaixavam no conceito de “intermediário” e frações de NFTs sequer eram mencionadas. Com tudo isso, a Receita Federal agora deve se preparar para uma nova regulamentação mais completa.

Consulta pública de 2024 e principais mudanças da minuta
Para atualizar o arcabouço, a Receita abriu em 7 de novembro de 2024 uma consulta pública sobre a Declaração de Criptoativos (DeCripto), prorrogando o prazo até 20 de dezembro para receber contribuições. Ao todo, 24 entidades enviaram propostas, entre elas exchanges, associações de contadores, empresas de analytics e escritórios de advocacia.
Entre as sugestões mais citadas estão a adoção do padrão internacional Crypto-Asset Reporting Framework da OCDE, a redução do prazo de entrega para até o 10º dia útil do mês seguinte e a criação de um canal de dúvidas em tempo real para operadores de menor porte.
Assim, se o usuário tiver perguntas sobre que criptomoedas comprar hoje, haverá suporte disponível para ajudar. A subsecretária de Fiscalização salientou, em nota, que o diálogo visa uma norma compreendida por todos, evitando riscos fiscais e lembrou que o tema integra o plano anual da fiscalização desde 2024.
A versão preliminar da DeCripto amplia o conceito de operação reportável, incluindo swaps em exchanges descentralizadas, recompensas de staking, empréstimos colateralizados e qualquer remessa internacional cujo beneficiário final seja residente no Brasil. Também prevê a identificação de transações por hash no caso de redes públicas.
E exige ainda que corretoras estrangeiras com uma grande quantidade de clientes brasileiros (com o número de 5 mil em pauta) nomeiem um representante fiscal local. De acordo com técnicos da Receita, a minuta incorpora ainda um módulo de “chamados de divergência”, permitindo ao contribuinte retificar informações antes da autuação.
Cronograma, fase de transição e cooperação internacional
A versão final da instrução, já revisada com as 24 contribuições, deve ser publicada em breve, iniciando um período de autorregularização de alguns meses. Nesse intervalo, investidores que queiram realocar posição ou atualizar custo de aquisição poderão aproveitar a janela para ajustar a carteira.
Algumas plataformas que já estão adaptando seus relatórios ao novo layout, evitando retrabalho quando as informações passarem a ser exigidas pelo Fisco. O embrião dessa abordagem preventiva apareceu em 14 de agosto de 2024, durante a reunião Cripto Conforme, que reuniu dezenas de corretoras em Brasília.
Ali, a Receita anunciou que o primeiro ciclo de ações prioritárias seria educativo, medidas coercitivas, como glosas e representação para fins penais, ficariam para um segundo momento, destinado apenas a quem ignorar a fase de ajuste voluntário. Além disso, a equipe brasileira tem participado de mesas-redondas com outros fiscos.
Como por exemplo, o de Portugal, do Canadá e da Coreia do Sul, para harmonizar procedimentos de troca de informações em tempo real. Ao retomar em outubro de 2024 a publicação mensal dos dados abertos de criptoativos, o órgão sinalizou transparência e reforçou que a supervisão se baseará em analytics automatizado, cruzando blockchains públicas com as bases de declarações.
O que muda para o investidor pessoa física e para as exchanges
Mesmo antes de a DeCripto entrar em vigor, o número de brasileiros que movimentam ativos digitais vem caindo em ritmo muito. Os dados abertos mais recentes da Receita Federal mostram que o total de CPFs únicos que declararam operações encolheu de 9,2 milhões em novembro de 2023 para 4,9 milhões em novembro de 2024.
Essa é uma retração de 47% em apenas doze meses. A redução foi atribuída internamente à combinação de preços mais altos do Bitcoin (o que diminui a necessidade de fracionar transações) e ao esforço de autorregularização iniciado após a reunião “Cripto Conforme”.
Para quem continua ativo, a principal novidade é a exigência de detalhar cada transação por “hash” e identificar a carteira de origem. Na prática, o contribuinte precisará juntar comprovantes de corretoras, recibos on-chain e, se usar protocolos DeFi, o endereço do contrato inteligente.
Permanece o limite de isenção de IR para vendas de até R$35 mil no mês, previsto no art. 22 da IN 1.888/2019, mas o Fisco já avisou que passará a cruzar esse teto com as remessas internacionais que hoje não aparecem na declaração com reporte automático.
Já para as exchanges estrangeiras e nacionais, o descumprimento acarretará multa de 3% sobre o valor da operação não reportada, sem prejuízo de outras sanções previstas no Código Tributário. A Receita ainda incluiu um módulo de “alerta de inconsistência”. se o dado transmitido pela exchange divergir do que aparece on-chain, o sistema gera uma notificação automática para retificação, antes de seguir para a malha fina.